sexta-feira, abril 06, 2012

Meter conversa (7)



Desde que o meu pai faleceu, o Jorge Sousa Braga liga-me todas as semanas. É um facto que já o fazia antes de aquele dia me ter acontecido, mas actualmente faz questão de me ligar todas as semanas. O poeta com quem partilho o Poesia & Lda é, com o meu irmão, um dos meus melhores amigos, um daqueles raros brindes com que a vida nos surpreende, o podermos privar com pessoas de ética irrepreensível, como era o Egito Gonçalves que tanta saudade deixou.

A única vez que nos zangamos foi por causa de uma doente comum. Antes tivesse sido a poesia, já que a zanga provavelmente teria durado menos tempo. Embora, por outro lado, tivesse sido a poesia, e dificilmente teríamos estado tanto tempo de costas voltadas; não só usamos frequentar a mesma família de poetas, como há mais de duas décadas que ele cuidou de me ensinar não ser a poesia um campeonato, embora persista quem assim pense, antes uma corrida no deserto, e isto já sou eu quem o diz: ninguém sabe onde é a partida, sequer onde fica a chegada, mas muito pior do que isso, o caminho não está marcado.

Foi a única altura em que as palavras se esgotaram entre nós. Até que me fartei do silêncio e pedi ao Manuel António Pina, o favor de mediar o mal-entendido. Ninguém melhor que um poeta podia encher de palavras, o silêncio de poetas mudos.

Leça da Palmeira, 1 de março de 2012

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