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O REMO
O achador de um remo quebrado
não pode dizer com certeza
que um naufrágio ocorreu
mas é provável que haja um remador
na água
um esquecimento pode ter ocorrido
seu nome
rendeu-se à corrente
e renunciou as possibilidades do remo
§
O BEZERRO
Certa manhã, um bezerro de olhos arregalados
desce à praia
para beber.
As antigas marinhas figuram uma praia diferente.
Algo que o bezerro desconhece.
Com os olhos bem abertos bebe,
e, como sempre, nas águas tranquilas,
o bezerro é encontrado por um outro bezerro
das profundezas marinhas.
E seus olhos e focinhos
bebem da mesma mão.
§
UM GATO COM ASAS
Um gato com asas
muito parecido ao Silêncio
entra à tardinha, pergunta:
posso ficar um pouco por aqui
haverá um peixe
ou alguma alma que se coma
posso trazer a minha noite
comigo?
Em troca poderão escutar
como ronrono
como enrrolo as garras no sono
e as minhas asas se retraem
sob a pele.
§
A CABEÇA
Encontrei a cabeça de um bezerro na água
ergui-a
perguntei como se costuma perguntar:
Para quem viveste, bezerro
para quem morreste
quem separou tua cabeça
do resto do mundo.
A cabeça respondeu:
como as cabeças geralmente respondem:
Quem eu fui
e de onde vim
quem removeu o meu corpo e porquê
- essa era a tua pergunta.
§
A FERIDA
Em que outra paisagem que não esta
poderia a tarde produzir tal peso.
Os cavalos que vêm beber
trazem grandes feridas
porém, nenhuma guerra
passou por aqui.
Que desejo de naufrágio
se levanta das águas
os humanos têm sido abandonadas
pelas árvores.
§
À NOITE
Não estou a dizer que a vida é boa
Prefiro dizer que foi má
porém também não estou a dizer isso.
Apenas desejo três instrumentos:
esquadro, tesoura, navalha
de modo a que possa medir e cortar
as coisas que podem ser medidas
deixando o resto para a noite cortar,
para os animais que então emergem.
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