domingo, outubro 23, 2011

LENNART SJÖGREN

LENNART SJÖGREN nasceu em 1930 na aldeia de Böda, em Öland, uma estreita e longa ilha do mar Báltico. A crítica notou que as palavras, na sua poesia, vêm «com a quantidade certa de ar entre elas». Nos anos 50, estudou na Academia de Arte de Gotemburgo onde conheceu a esposa, a artista Eva Forsberg, que tem ilustrado parte do seu trabalho. Estreou-se como poeta em 1959. Segundo o crítico Bernleft, «Sjögren olha para a natureza que o rodeia, os campos, os animais, o mar, com um olhar frio e às vezes até irado. Com ele, na natureza não há espaço para o romantismo – é um mundo de comer ou ser comido, um mundo que é indiferente à natureza humana e à moralidade». Sjögren comparou o poema longo a uma pintura panorâmica (inclusiva e aparentemente estática), e o poema curto a uma natureza-morta (limitada em motivo e alcance). Ainda segundo Bernleft, «Tal como o poeta francês Francis Ponge, acredita que "o mundo em silêncio é o nosso único refúgio" e tenta chegar o mais próximo possível do mundo silencioso das árvores, animais, pedras e minerais, a partir da convicção de que eles também têm uma linguagem – que não é a nossa e que apenas pode ser sugerida, usando as nossas palavras». Os poemas que se seguem são versões trazidas do inglês, do livro “Five Swedish Poets” (Norvik Press, Norwich, 1997), numa selecção e tradução de Robin Fulton. Eis, com a vénia devida, seis dessas naturezas-mortas.



O REMO

O achador de um remo quebrado
não pode dizer com certeza
que um naufrágio ocorreu

mas é provável que haja um remador
na água

um esquecimento pode ter ocorrido
seu nome
rendeu-se à corrente
e renunciou as possibilidades do remo



§



O BEZERRO


Certa manhã, um bezerro de olhos arregalados
desce à praia
para beber.
As antigas marinhas figuram uma praia diferente.
Algo que o bezerro desconhece.

Com os olhos bem abertos bebe,
e, como sempre, nas águas tranquilas,
o bezerro é encontrado por um outro bezerro
das profundezas marinhas.
E seus olhos e focinhos
bebem da mesma mão.



§



UM GATO COM ASAS


Um gato com asas
muito parecido ao Silêncio
entra à tardinha, pergunta:
posso ficar um pouco por aqui
haverá um peixe
ou alguma alma que se coma
posso trazer a minha noite
comigo?
Em troca poderão escutar
como ronrono
como enrrolo as garras no sono
e as minhas asas se retraem
sob a pele.



§



A CABEÇA

Encontrei a cabeça de um bezerro na água
ergui-a
perguntei como se costuma perguntar:
Para quem viveste, bezerro
para quem morreste
quem separou tua cabeça
do resto do mundo.

A cabeça respondeu:
como as cabeças geralmente respondem:
Quem eu fui
e de onde vim
quem removeu o meu corpo e porquê
- essa era a tua pergunta.



§



A FERIDA

Em que outra paisagem que não esta
poderia a tarde produzir tal peso.
Os cavalos que vêm beber
trazem grandes feridas

porém, nenhuma guerra
passou por aqui.

Que desejo de naufrágio
se levanta das águas
os humanos têm sido abandonadas
pelas árvores.



§



À NOITE

Não estou a dizer que a vida é boa
Prefiro dizer que foi má
porém também não estou a dizer isso.

Apenas desejo três instrumentos:
esquadro, tesoura, navalha

de modo a que possa medir e cortar
as coisas que podem ser medidas

deixando o resto para a noite cortar,
para os animais que então emergem.



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