domingo, outubro 09, 2011

KJELL ESPMARK


KJELL ESPMARK, poeta, ensaista, tradutor, romancista, nasceu em Strömsund em 1930. Foi professor de História da Literatura na Universidade de Estocolmo entre 1978 e 1995. Tornou-se membro da Academia Sueca em 1981, ocupando a cadeira 16, e presidente do Comité Nobel em 1988. A sua produção literária é surpreendente em qualidade e variedade. O primeiro livro (“O assasinato de Benjamim”, 1956) prenuncia uma extensa obra poética de quase uma vintena de livros marcados por assuntos como a crítica doméstica ao estado-providência, a materialização do estado da alma (como o “interior” se torna “exterior”, como no poema “A outra vida”), a crítica à civilização e ao poder (que ao longo dos séculos aparece como principal força motriz da humanidade), e mais recentemente, a doença e a morte. A partir da década de 80, Espmark torna-se romancista, sendo particulmente celebrado o incipit do seu romance de 2000, “Viagem de Voltaire” (“Quando Voltaire se encontrava em processo de acordar, notou que havia conseguido os dentes de volta.”). Eis um poema de Kjell Espmark, vertido da tradução inglesa de Robin Fulton, apresentada no livro “Five Swedish Poets” (Norvik Press, Norwich, 1997).



A OUTRA VIDA

Como se de pé, junto a um carro queimado
vendo o próprio corpo amassado sobre o volante –
Hoje é como um sábado banal de outubro
mas pertence a outro calendário.
Eu pareço atirado para fora da minha vida
tropeçando para dentro da minha vida.

Os mesmos áceres e freixos insubstanciais.
A mesma neblina com as mesmas promessas.
E a relva reivindica o peso de nossas pegadas.
Mas nós nunca aqui estivemos antes.
Escavando furos para bolbos de tulipa, vês
a terra a ser criada sob a pá.
Enquanto desligo a água para o inverno
e oiço o gotejar de água pela primeira vez.

Gralhas de um ano apagado
insistem, insistem
e persuadem o campo para nova tentativa
apenas o brilho recém-arado ainda.

Palavras como "cronologia" e "explicação"
são ferramentas enferrujadas que coloco no barracão.
A razão pode apelar a um tribunal superior.

A outra vida
com as estradas que nunca percorremos
deve ter existido desde sempre
a um braço de distância
com o mar retumbando junto ao mar –
mas não para ele que lhe estendeu a mão.
A palavra é graça.

O vento vira
além do que ainda está latente
e os olhos aprendem que o fumo pode picar:
a vida que não escolhi
escolheu-me subitamente.
E eu estou não escrito.
Escreve-me.


2 comentários:

José Luís Reis disse...

Sensível. Confesso que me surpreendeu a atribuição do prémio a este poeta, mas pela amostra é bem merecido. Vou ter de ler a obra.

© Maria Manuel disse...

como o poeta expressa bem essa «outra vida» que também sinto, por vezes. gostei da linguagem poética, bom ter-nos dado a conhecer, obrigada e abraço.