segunda-feira, janeiro 02, 2006

WILLIAM CARLOS WILLIAMS

Questionam-me off-blog se tenho como indispensável conhecer-se o contexto em que um poema foi escrito para o poder compreender. Alarguemos o círculo e façamos um teste muito simples. Eis um poema muito conhecido de WILLIAM CARLOS WILLIAMS, O Carrinho de Mão Vermelho. O que proponho é que façamos duas leituras seguidas do poema. A primeira, sem ser prestada mais nenhuma informação adicional. A segunda, logo após terem sido facultados alguns dados complementares.



THE RED WHEELBARROW (1923)

so much depends
upon

a red wheel
barrow

glazed with rain
water

beside the white
chickens.



§



O CARRINHO DE MÃO VERMELHO

tanta coisa depende
de

um carrinho de mão
vermelho

luzindo com água
da chuva

junto às galinhas
brancas.



Que imagem ou imagens lhe sugere a leitura? Tente visualizar o poema da forma mais completa possível. E reflita um pouco neste ponto: na sua opinião, a que se refere o poeta quando escreve "Tanta coisa depende de"? O que lhe parece que pode depender do "carrinho de mão vermelho"? Guarde a sua resposta. Agora leia de novo o poema após esta informação: William Carlos Williams (1883-1963), nasceu em Rutherford, New Jersey. Formou-se em Medicina pela Universidade da Pensilvânia, tendo tirado a especialidade de Pediatria em Leipzig. Segundo testemunho do director da biblioteca pública de Rutherford, prestado a Geri M. Rothes no livro "The Paterson Metaphor in William Carlos Williams's Paterson" (Tufts U, 1965), este poema encerra uma experiência individual: o Dr. Williams estaria em casa de uma das suas pacientes, uma rapariguinha acamada entre a vida e a morte, olhando fixamente através da janela da casa quando terá presenciado a cena.



O CARRINHO DE MÃO VERMELHO

tanta coisa depende
de

um carrinho de mão
vermelho

luzindo com água
da chuva

junto às galinhas
brancas.



Na posse desta informação que leitura faz agora do poema? A mesma imagem? As mesmas coisas dependem do "carrinho de mão vermelho"? A pergunta é esta: foi benéfico conhecer em detalhe o contexto em que o poema surgiu ao autor - ou preferia não ter sabido?



P.S. - William Carlos Williams está traduzido em português:
- Antologia Breve, tradução de José Agostinho Baptista, Assirio & Alvim, 1993
- Paterson, tradução de Maria de Lurdes Guimarães, Relógio d'Água, 1998




5 comentários:

I disse...

O poema muda.Passei por poemas sem reparar neles , há vinte anos atrás e que ,agora ,são os que mais me dizem. Eu mudei, o mundo modificou-se :o mesmo poema é outro poema

Anónimo disse...

Na leitura descontextualizada do poema, chamou-me mais a atenção a junção dos elementos carrinho-chuva-galinhas do que a acção de depender. Na leitura contextualizada, estou já a reproduzir a visão do poeta. Ou seja, enquanto antes estava desprotegido perante as imagens soltas do mundo que me eram propostas (estava na rua com elas), depois ganhei a dimensão do interior e a protecção de um espaço outro, porque tendo a pôr-me no lugar de Williams. Ganhei, em resumo, uma referência, um ponto de partida, mas perdi, por isso mesmo, em liberdade de interpretação.

Anónimo disse...

Numa primeira leitura, a referência à infância pareceu-me óbvia e belissima. Pensei num ambiente rural. A explicação tirou um pouco de brilho ao poema que, sem ela, me parece mais universal e capaz de ser transposto para o universo pessoal do leitor.Mais uma vez, obrigado por este blog.

Rui Manuel Amaral disse...

Não conhecia o contexto em que o poema foi escrito. Porreiro. De qualquer maneira, quando Williams publicou o poema não deu nenhuma explicação adicional. E é assim que o poema deve ser lido. Essa é a arte de Williams. Poemas redondos e ao mesmo tempo cheios de buracos. Cada um preenche as lacunas como quiser.
Grande post, João.

Anónimo disse...

Também José Paulo Paes traduz para a Companhia das Letras este e outros poemas de W.C.W..