(actualizado) Poeta de um marcado cunho contemporâneo, da crónica vivida e sistemática das ruas e dos dias, a poesia de Pedro Mexia (n. 1972) é a escrita das coisas que são e que estão, uma poesia teórica e desconstrutiva dotada de uma desarmante capacidade de observação do invisível no visível, da memória na matéria. Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, cidade onde nasceu, atingiu significante projecção através da sua intervenção pública em diversos espaços da blogosfera, bem como em importantes publicações como o Diário de Noticias, a revista Ler e o Público, onde também exerce crítica literária.
OBRA POÉTICA
Duplo Império, edição de autor, Lisboa, 1999
Em Memória, Gótica, Lisboa, 2000
Avalanche, Quasi Edições, V. N. de Famalicão, 2001
Eliot e Outras Observações, Gótica, Lisboa, 2003
Vida Oculta, Relógio d'Água, 2004
Senhor Fantasma, Oceanos, 2007
CAIXA DE COSTURA (1999)
Nunca compreendi
a caixa de costura.
Testemunha muda
de tardes e gerações,
poder feminino
sobre o útil, no fundo
dos carrinhos e dos dedais
devia haver
a esperança.
A chave para a leitura do poema “Caixa de Costura”, de Pedro Mexia, reside na percepção quase imediata de que o seu autor se trata não de uma poeta mas de um poeta, isto é, de que o olhar que escreve é um olhar masculino e não um olhar feminino. Porque de facto é uma voz masculina a voz que fala. O texto apresenta-se-nos num tom de espanto e fascínio como se o narrador pretendesse confessar o facto de que jamais conseguiria dedicar-se – ele, homem – a um qualquer ofício “de tardes” inteiras “e gerações” sucessivas como vê as mulheres da casa fazer. A opção pela “caixa de costura” como questão central do poema - e não de qualquer outro objecto - é tudo menos casual. Trata-se de um objecto suficientemente familiar, de utilização específica, para ser reconhecido pelo leitor como fazendo parte do insondável mundo feminino porque está as mais das vezes estreitamente ligado a elas. A caixa começa por ser caracterizada pelo autor como “Testemunha muda”, remetendo esta personificação para qualidades de confiança e confidência como aquelas que os homens imaginam que exprimem entre si as mulheres, confidentes e cúmplices quer na alegria quer nas horas de sofrimento. A atestar isso o pulo temporal de “tardes” para “gerações” abarca, de uma vez só, as perspectivas vertical e horizontal da vida implicando nessa empresa filhas, tias, mães e avós.
Um aspecto curioso é que, quando o poeta escreve com um certo pudor e ironia “Nunca compreendi/ a caixa de costura” - apetecendo-lhe porventura ter escrito “nunca compreendi bem as mulheres” – a verdade é que logo depois demonstra compreender, e bem, muitos dos seus desígnios ao admitir ser precisamente através desse esforço paciente “sobre o útil” que lhes advém o seu inegável “poder”; é dessa ligação quase visceral à casa - que aos olhos dos homens é tida como uma prisão, - que resulta o crédito das mulheres no sentido de uma vantagem da qual o poeta abre mão sobre a forma de elogio. É por isso tentador ver na expressão “no fundo”, não apenas o óbvio sentido de por baixo “dos carrinhos e dos dedais/ devia haver/ a esperança” mas também um conclusivo remate de quem no fundo, no fundo compreendeu e aceita a razão de ser dessa vantagem que as mulheres sempre negam mas que sabem possuir. Desta forma, as mulheres não procurariam no fundo da caixa “a esperança” que lhes pudesse abrir a porta da “prisão”, antes se limitariam a cumprir os dias deixando que o tempo falasse por si.
OBRA POÉTICA
Duplo Império, edição de autor, Lisboa, 1999
Em Memória, Gótica, Lisboa, 2000
Avalanche, Quasi Edições, V. N. de Famalicão, 2001
Eliot e Outras Observações, Gótica, Lisboa, 2003
Vida Oculta, Relógio d'Água, 2004
Senhor Fantasma, Oceanos, 2007
CAIXA DE COSTURA (1999)
Nunca compreendi
a caixa de costura.
Testemunha muda
de tardes e gerações,
poder feminino
sobre o útil, no fundo
dos carrinhos e dos dedais
devia haver
a esperança.
A chave para a leitura do poema “Caixa de Costura”, de Pedro Mexia, reside na percepção quase imediata de que o seu autor se trata não de uma poeta mas de um poeta, isto é, de que o olhar que escreve é um olhar masculino e não um olhar feminino. Porque de facto é uma voz masculina a voz que fala. O texto apresenta-se-nos num tom de espanto e fascínio como se o narrador pretendesse confessar o facto de que jamais conseguiria dedicar-se – ele, homem – a um qualquer ofício “de tardes” inteiras “e gerações” sucessivas como vê as mulheres da casa fazer. A opção pela “caixa de costura” como questão central do poema - e não de qualquer outro objecto - é tudo menos casual. Trata-se de um objecto suficientemente familiar, de utilização específica, para ser reconhecido pelo leitor como fazendo parte do insondável mundo feminino porque está as mais das vezes estreitamente ligado a elas. A caixa começa por ser caracterizada pelo autor como “Testemunha muda”, remetendo esta personificação para qualidades de confiança e confidência como aquelas que os homens imaginam que exprimem entre si as mulheres, confidentes e cúmplices quer na alegria quer nas horas de sofrimento. A atestar isso o pulo temporal de “tardes” para “gerações” abarca, de uma vez só, as perspectivas vertical e horizontal da vida implicando nessa empresa filhas, tias, mães e avós.
Um aspecto curioso é que, quando o poeta escreve com um certo pudor e ironia “Nunca compreendi/ a caixa de costura” - apetecendo-lhe porventura ter escrito “nunca compreendi bem as mulheres” – a verdade é que logo depois demonstra compreender, e bem, muitos dos seus desígnios ao admitir ser precisamente através desse esforço paciente “sobre o útil” que lhes advém o seu inegável “poder”; é dessa ligação quase visceral à casa - que aos olhos dos homens é tida como uma prisão, - que resulta o crédito das mulheres no sentido de uma vantagem da qual o poeta abre mão sobre a forma de elogio. É por isso tentador ver na expressão “no fundo”, não apenas o óbvio sentido de por baixo “dos carrinhos e dos dedais/ devia haver/ a esperança” mas também um conclusivo remate de quem no fundo, no fundo compreendeu e aceita a razão de ser dessa vantagem que as mulheres sempre negam mas que sabem possuir. Desta forma, as mulheres não procurariam no fundo da caixa “a esperança” que lhes pudesse abrir a porta da “prisão”, antes se limitariam a cumprir os dias deixando que o tempo falasse por si.
O que nos leva à forte possibilidade deste poder ser principalmente um poema sobre a distinta natureza dos homens e das mulheres. Àqueles seria atribuído, reconheçamos que implicitamente, o carácter mais directo e imediato da vida, o pendor lógico e consequente da objectividade, o defeito da impaciência e a virtude da acção; às mulheres estaria reservado o dom da paciência, da minuciosa tolerância, da subjectividade e da espera. Por tudo isto, parece-me, será este poema menos um elogio às mulheres do que um recado aos homens.
3 comentários:
Será que a caixa de costura colide com a máquina de escrever? ´
Não é uma provocação, é uma inquietação.
Um abraço.
excelente interpretação de um dos melhores poetas da nova geração.
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