
quinta-feira, dezembro 23, 2010
JORGE SOUSA BRAGA (3)

sábado, dezembro 11, 2010
W.H.AUDEN (2)

W. H. AUDEN nasceu em 1907, em York, tendo falecido em 1973, em Kischtetten, perto de Viena. Viveu em Inglaterra até 1938, convivendo com Louis MacNeice e Stephen Spender, entre outros, ano em que emigrou para os Estados Unidos, onde conheceu o seu companheiro Chester Kallman, e obteve a cidadania americana, convertendo-se ao cristianismo. Em 1959 foi nomeado professor de poesia em Oxford. A editora Assírio & Alvim publicou em 1994, uma antologia de poemas de Auden que José Alberto Oliveira intitulou de “O Massacre dos Inocentes”, a partir do título de um dos poemas que traduziu, “For The Time Being”. Também a Relógio d’Água editou em 2003, o belíssimo “Outro Tempo”, com tradução de Margarida Vale de Gato. Já aqui havia trazido ao Poesia Ilimitada um poema de Auden de que gosto muito, “Funeral Blues”; não é esse porém o meu poema de eleição do poeta anglosaxónico, antes “Musée des Beaux Arts”, do qual tento aqui uma tradução.
MUSÉE DES BEAUX ARTS
About suffering they were never wrong,
The Old Masters: how well they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just walking dully along;
How, when the aged are reverently, passionately waiting
For the miraculous birth, there always must be
Children who did not specially want it to happen, skating
On a pond at the edge of the wood:
They never forgot
That even the dreadful martyrdom must run its course
Anyhow in a corner, some untidy spot
Where the dogs go on with their doggy life and the torturer's horse
Scratches its innocent behind on a tree.
In Brueghel's Icarus, for instance: how everything turns away
Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
Have heard the splash, the forsaken cry,
But for him it was not an important failure; the sun shone
As it had to on the white legs disappearing into the green
Water, and the expensive delicate ship that must have seen
Something amazing, a boy falling out of the sky,
Had somewhere to get to and sailed calmly on.

MUSÉE DES BEAUX ARTS
Acerca do sofrimento, nunca se enganaram
Os Velhos Mestres: quão bem entenderam
A condição humana; como está presente
Enquanto alguém se alimenta ou abre uma janela ou monotonamente segue a caminhar;
Como, enquanto os velhos esperam apaixonada e reverentemente
Pelo miraculoso nascimento, deve sempre haver
Crianças que não queriam especialmente que acontecesse, patinando
Num lago na orla da floresta:
Nunca esqueceram
Que até o mais terrível martírio deve seguir o seu curso,
Custe o que custar, a um canto, nalgum lugar descuidado
Onde os canídeos acorrem em suas vidas de cão, e o cavalo do torturador
Coça seu inocente traseiro por detrás de uma árvore.
No Ícaro de Brueghel, por exemplo: como tudo se afasta
Ter ouvido o splash, o grito desamparado,
Mas para ele não era um importante fracasso; o sol brilhou
Como soía sobre as pernas brancas que desapareceram na verde
Água; e o frágil e grandioso navio que deve ter avistado
Algo espantoso, um rapaz caindo do céu,
Tinha um destino para ir e afastou-se calmamente.
quinta-feira, dezembro 02, 2010
Sombras

segunda-feira, novembro 29, 2010
WISŁAWA SZYMBOSRKA (2)

É talvez o meu poema favorito de “Chwila” (2002) de Wisława Szymborska (“Instante”, na tradução portuguesa de Elżbieta Milewska e Sérgio Neves, Relógio d’Água, 2006).
A MIÚDA QUE PUXA A TOALHA
Há mais de um ano neste mundo
e neste mundo ainda nem tudo pesquisou
nem submeteu a controlo.
Agora estão a ser testadas coisas
que não podem mexer-se sozinhas.
É preciso ajudá-las,
deslocá-las, empurrá-las,
tirá-las do sítio e transferi-las.
Nem todas o desejam, por exemplo, o armário,
a aparador, as paredes intransigentes, a mesa.
Mas já a toalha sobre a mesa obstinada,
se bem agarrada pelas pontas,
mostra-se disposta a viajar.
E sobre a toalha: os copos, os pires,
o jarro de leite, as colherinhas e a tigela
até tremem de desejo.
Interessante,
que movimento vão escolher
depois de vacilarem na beirinha:
um passeio pelo tecto?
um voo em torno do candeeiro?
um salto para o parapeito da janela e de lá até à árvore?
O Senhor Newton ainda não meteu aqui a colherada.
Que olhe lá do céu e agite os braços.
Este teste tem de ser efectuado
e será.
§
Uma vez mais, Wisława Szymborska é exímia a jogar com as expectativas do leitor, recorrendo à estratégia da ironia cósmica. Estamos perante um poema suspeitadamente escrito após o acidente doméstico descrito, narrado porém num momento cronológico prévio ao acidente, brincando a personna literária do poema com um efeito de falsa adivinhação, num crescendo de tensão e dramatismo até à catástrofe doméstica eminente. A ironia do poema também se encontra no tom quase infantil que a autora assume, fazendo do leitor cúmplice do que irá suceder - ou seja, (percebe-se) do sucedido. Já o título, de certa forma, nos preparava para o poema, aparentemente esgotando-lhe o assunto. Mas graças ao talento da autora e ao recurso a uma estratégia de personificação dos objectos ("(...) já a toalha (...)/ mostra-se disposta a viajar") , rapidamente a ironia se transforma em sarcasmo, intensificado pelos diminutivos ("Interessante,/que movimento vão escolher/depois de vacilarem na beirinha"), isto após uma minuciosa e demorada enumeração dos objectos de vidro que se encontravam em cima da toalha, passíveis de caír, somando dramatismo e acentuando o contraste entre a fragilidade dos mesmos e a catástrofe prestes a acontecer. De provocar um arrepio. Tudo isto apresentado candidamente, com um carácter como que de necessidade, em nome das superiores leis da física... e do caos infantil, quando afinal, sabemos todos, tudo poderia ter sido evitado. Extraordinários efeitos narrativos, extraordinário poema.
§
Outro poema de Wisława Szymborska no Poesia Ilimitada.
segunda-feira, novembro 01, 2010
CHARLES SIMIC (2)
Shirt
To get into it
As it lies
Crumpled on the floor
Without disturbing a single crease
Respectful
Of the way I threw it Down
Last night
The way it happened to land
Almost managing
The impossible contortions
Doubling back now
Through a knotted sleeve
§
Camisa
Entrar dentro dela
Tal como está
Amorfanhada no chão
Sem perturbar uma única prega
Respeitando
O modo como a atirei
O modo que aconteceu aterrar
Quase gerindo
Contorções impossíveis
Voltando agora atrás
Pela dobra da manga
sábado, setembro 04, 2010
MEIR WIESELTIER

MEIR WIESELTIER nasceu em Moscovo em 1941. Chegou a Israel com sua família em 1949, após dois anos de errância com sua mãe pela Polónia, Alemanha e França. O pai havia sido morto servindo o Exército Vermelho em Leningrado. Meir Wieseltier vive em Tel-Aviv desde 1955. Publicou os seus primeiros poemas com 18 anos, formando o chamado “grupo de Tel-Aviv” com Yair Hurvitz e Yonah Wollach no anos 60. Segundo Teresa Martínez, autora da tradução e da introdução de “Poesía hebrea contemporánea” (Hiperíon, Madrid, 1994, 2ªed. 2001), o “grupo de Tel-Aviv” tinha como meta a renovação da poesia hebraica e como tal desafiou a geração anterior, de Ammijai e Zach. Wieseltier quer ser o poeta da realidade crua, cruel, por vezes trivial, sem romantismo, realidade que vê encarnada na cidade de Tel-Aviv, uma cidade feia, brutal, perguiçosa, sensual, marítima, que contrapõe a Jerusalém, a cidade santa, espiritual. Wieseltier assume por vezes o papel de um moralista que procura valores no meio de caos, apesar da sua voz ser alternadamente anárquica e envolvida, sarcástica e lírica. O poema que se segue, com a devida vénia, por mim traduzido do castelhado, resulta da escolha (e tradução do hebraíco) de Teresa Martínez.
POR EXEMPLO, INVERNO
O inverno da cidade desperto
não traz consigo desfolhamento. Amarela
a luz nas janelas. Um vento viaja
pela rua Dizengoff,
junto a uma rapariga que caminha
com amor entre as pernas, faz duas horas
com amor entre as pernas. Sua mãe
dizia: levei-te nove meses sob o coração.
Assim há já duas horas. Também do outro lado da via caminha
gente bela, praticando belas accções. Por exemplo,
Meir Wieseltier arranca um versículo da cabeça e ensina-o aos viandantes
o odor de meu filho é como o odor do campo, The smell of my son is like
the smell of the field
de uma língua a outra passa o forte aroma.
domingo, agosto 29, 2010
Poesia & Lda, feito pelos seus leitores - CESARE PAVESE (2)

UMA SOMBRA ENTRE NÓS - Retratos de Cesare Pavese
por Andrea Ragusa
Uma fotografia tirada em 1932 mostra quatro jovens sentados em cima de um muro nas colinas das Langhe. Primeiro à esquerda, Cesare Pavese. Ao seu lado estão, por ordem: Leone Ginzburg, com uns papéis nas mãos; no meio, de chapéu, Franco Antonicelli, escritor, ensaísta, e mais tarde senador da República; último à direita, por fim, o editor Carlo Frassinelli, pioneiro da serigrafia em Itália, para além de fundador da editora que tem o seu nome. Sendo homem de cultura heterogénea, Frassinelli estava profundamente interessado na tradução e difusão de obras estrangeiras, que pensava publicar na colecção Biblioteca Europea da sua editora. E por isso Pavese e Ginzburg deveriam parecer-lhe colaboradores ideais para desenvolver esta sua tarefa pois estes conheciam inglês e russo respectivamente: e tinha sido o próprio Antonicelli a apresentar os dois jovens colegas do Liceo D’Azeglio de Turim ao editor, em 1931. Mas o que a imagem nos diz é mais do que isto. Anos depois, Franco Antonicelli – que parece o mais elegante e estatuário – escreve, inspirado por aquela fotografia, um «Postal a Pavese»:
D’improvviso le Langhe! E t’ho pensato.
Dure, gialle, custodi al sole, arate
da grandi ombre. Lì è nata la tua voce
il gusto dei solinghi patimenti.
Mesi non ci parliamo, anni, ma solo
per quell’urto del sangue che ho sentito
io ti saluto. Un’ombra c’è tra noi
che giudica severa i nostri stenti
«De repente as Langhe! E pensei em ti. Duras, amarelas, guardas ao sol, aradas por grandes sombras. Ali nasceu a tua voz e o prazer dos solitários sofrimentos. Não falamos durante meses, talvez anos, mas só por causa daquele impulso do sangue que senti eu saúdo-te. Uma sombra há entre nós julgando severamente as nossas penas».
A «sombra», contará o próprio Antonicelli, é mesmo a de Leone Ginzburg, o amigo do liceu que tinha sofrido as torturas até morrer pela mão dos nazis na prisão Regina Cœli de Roma em Fevereiro de 1944. A ele (ainda vivo) é dedicado um poema de Trabalhar cansa, Retrato de autor, que, não por acaso, faz lembrar no título Retrato de um amigo, uma sentida recordação de Pavese feita por Natalia – mulher de Leone – e publicada pela primeira vez no Radiocorrere de Roma em 1957.
Ela, cujo apelido de solteira era Levi, casa com Ginzburg em 1938 e com ele partilha a acção antifascista e o exílio em Abruzzo. Depois da guerra é chamada a colaborar na sede da editora Einaudi de Turim, onde Pavese já estava há algum tempo a desempenhar a função de coordenador editorial (conforme a vontade do próprio Giulio Einaudi), mesmo por ser um dos que, dentro do núcleo inicial, tinham sobrevivido à tragédia da guerra. Aqui começa realmente a amizade entre Natalia e Pavese, uma amizade controversa e intermitente da qual também se fala nalgumas notas do diário pavesiano publicado postumamente.
Foi observado que muitas das referências que a Natalia Ginzburg faz a Pavese, quer em Retrato de um amigo como em outras obras, parecem responder a esses apontamentos de O Ofício de Viver, na qual o escritor não esconde a intolerância pela mulher do falecido amigo, sublinhando a distância de atitude que os separa. O que ele critica em Natalia é a sua presumida ‘facilicidade’ em considerar as coisas, o que não se encaixa bem com o sentimento trágico da vida próprio de Pavese. Esta «antipatia crescente» é evidente nas notas de 1948 onde, numa separação ideal entre tragicidade e espontaneidade, a «jovem N.» é explicitamente colocada no lado oposto ao seu: «A minha crescente antipatia por N. provém do facto de que ela toma por granted, com uma espontaneidade granted também, um demasiado número de coisas da natureza e da vida. Tem sempre o coração à mão – o coração víscera – o parto, a menstruação, as velhotas», e acrescenta a 3 de Dezembro do mesmo ano: «As pessoas que take for granted qualquer coisa entram em colisão contigo na medida em que pretendem escapar a esse carácter trágico».
Retrato de um amigo é uma carinhosa, e, ao mesmo tempo, crítica, descrição desta «colisão», através de um ponto de vista, não apenas diferente, mas oposto – como é óbvio – ao das notas de Pavese. Aquilo a que o escritor chama espontaneidade «granted», é chamado por Natalia de vida «simples e respirável» mas, enquanto Pavese fala com desprezo na presumível «inocência» dela (que Cesare Garboli descreveu como «inocência separada da ingenuidade»), está a afirmar ao mesmo tempo, e no mesmo apontamento, o seu próprio ‘fracasso’: «Odiamos os outros porque nos odiamos a nós próprios».
Mesmo que fosse realmente uma resposta de Natalia, o seu Retrato é feito de comoção sincera: o que ela critica no amigo é a incapacidade de uma vida mais simples e «adulta»: «Era, por vezes, muito triste: mas pensámos, durante muito tempo, que ele podia curar-se daquela tristeza, logo que decidisse tornar-se adulto: porque nos parecia, a sua, uma tristeza como a de um rapaz, a melancolia voluptuosa e distraída do rapaz que ainda não tocou a terra e se move no mundo árido e solitário dos sonhos. ». Este aspecto, diz-nos Natalia, era visível aos que o conheciam e parecia quase uma fraqueza de Pavese: «O nosso amigo vivia na cidade como um adolescente: e assim viveu até ao fim. Os seus dias eram, como os dos adolescentes, muito compridos e cheios de tempo». Nisso está aprisonada a sua alma, sempre mais longe, ao longo dos anos, de uma paz qualquer: «e nós também queríamos ensinar-lhe alguma coisa, ensiná-lo a viver duma maneira mais simples e respirável: mas nunca conseguimos ensinar-lhe nada, porque quando tentávamos expor as nossas razões, levantava a mão e dizia que já sabia tudo».
Mas o retrato que Natalia Ginzburg faz de Pavese é sobretudo uma homenagem à amizade, a qual ele próprio considerava algo totalmente espontâneo e natural: e por isso a sua ironia manifestava-se para com os amigos e raramente se encontra presente nos romances ou na vivência das suas derrotas amorosas . E é também um retrato de Turim, cidade industrial mas surprendentemente literária, misteriosa e envolta no nevoeiro e no cheiro a fuligem, que esconde, em cada canto, uma lembrança do amigo: «A nossa cidade é parecida, reparamos nisso agora, com o amigo que perdemos e que tanto a amava». Natalia Ginzburg não deixa de referir-se à cidade, aquela cidade que em toda a obra de Pavese rapresenta o lugar de «vício» oposto à pureza própria do campo e da terra. A cidade que permite o retrato mais sincero e a cidade que torna possível que ele apareça novamente como uma sombra («Na cidade parecida com ele sentimos reviver o nosso amigo em todo lado»), mas uma sombra viva, presente, uma sombra que julga: a par de Leone na fotografia de muitos anos antes, «Ele estava, mais do que nunca, presente naquela encosta da colina».
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2010
§
RETRATO DE AUTOR
(para Leone)
A janela que dá para a rua abisma-me
sempre vazia. O azul estival por cima da cabeça
parece ao invés mais firme e nele vê-se uma nuvem.
Aqui não se vê ninguém. E estamos sentados no chão.
O meu amigo – cheira mal – está sentado comigo
na via pública e, sem mover o corpo,
tirou as calças. Eu tiro a camisola.
O empedrado está gelado, o que dá prazer ao meu amigo,
mais do que a mim, que olho para ele, mas não passa ninguém.
A janela de repente enquadra uma mulher
clara de pele. Talvez não tenha sentido o cheiro
e olha para nós. O meu amigo já está de pé e fita-a.
Tem pêlos o meu amigo, das pernas até a cara,
que o dispensam das calças e lhe saem pelos buracos
da camisola. É um pelame que basta para o vestir.
O meu amigo saltou por aquela janela
para o escuro, e a mulher desapareceu. Fogem-me os olhos
para a franja do belo céu compacto, também ele nu.
Eu não cheiro mal porque não tenho pêlos. Gela-me a pedra
estas minhas espáduas nuas de que as mulheres gostam
porque são lisas: que há de que as mulheres não gostem?
Mas não passam mulheres. Passa em vez disso uma cadela
seguida por um cão que apanhou chuva
e cheira muito mal. A nuvem lisa no céu
Olha imóvel: parece um monte de folhas.
O meu amigo, desta vez, encontrou a mesa posta.
Tratam bem as mulheres que está nu. Aparece
por fim à esquina um miúdo de cigarro na boca.
Tem pernas de enguia também ele, cabelo crespo,
pele dura: as mulheres hão-de querer despi-lo
um belo dia para ver se gostam do cheiro.
Quando passa junto a mim, estendo um pé. Cai logo por terra
E peço-lhe um cigarrito. Fumamos em silêncio.
Cesare Pavese, 1934
sábado, agosto 28, 2010
ANACREONTE

BEBER DE UM TRAGO
Vá lá, ó rapaz, traz-me
uma taça, para que eu beba
de um trago. Põe dez medidas
de água e cinco de vinho,
para que novamente eu faça de bacante,
mas sem insolência.
Vá lá então: assim com este
barulho e com esta gritaria
não bebamos à maneira da Cítia,
mas bebamos moderadamente
no meio de belos cantos.
§
A SOMBRINHA DE MARFIM
Dantes ele andava com uma gorra na cabeça, capuz de vespa;
nos ouvidos punha bocados de madeira e à volta das costelas
uma pele de boi sem pêlo,
cobertura imunda de um reles escudo; com padeiras e rameiras
que o queriam andava metido o porcalhão do Ártemon,
sempre em busca de uma vida de intrujices.
Muitas vezes teve o pescoço no pelourinho, muitas vezes
esteve na roda; muita chicotada levou nas costas com açoite
de pele e arrancaram-lhe os cabelos e a barba.
Mas agora o filho de Circe anda de carrinho; usa brincos de ouro
e segura uma sombrinha de marfim,
tal qual as senhoras.
§
A POLDRA DA TRÁCIA
Poldra da Trácia, por que razão
me olhas de soslaio e teimosamente
foges de mim? Será que pensas
que eu não sei nada de jeito?
Fica sabendo que lindamente
eu te poria o freio;
e com as rédeas nas mãos
te faria virar no poste da corrida.
Mas agora pastas nas pradarias,
toda folgazã com teus coices levianos,
já que te falta o cavaleiro experiente
para te montar.
MANUEL RESENDE acerca de KIKI DIMOULÁ

Manuel Resende colocou um pequeno filme no You Tube, onde lê "Quadro Biográfico" para os leitores do Poesia Ilimitada.

QUADRO BIOGRÁFICO
A casa
fita o caminho público
e o mar
com a lógica de quatro janelas,
rindo-se estereotipadamente
com uma ampla varanda
cor-de-laranja.
Nessa varanda
nesse sorriso
às tardes, a minha mãe
expõe o rosto
ilegível.
O tempo o compôs
sem impulsos
noite após noite
numa língua que escorre dor,
enchendo
páginas de usura.
E nem sequer o erro dum riso.
Senta-se
na pontinha da cadeira
para não pesar na tarde
com todo o peso do seu coração adoentado,
apenas para existir
parada no meio da vida
por uma suspensão do destino,
apenas para poder aguentar agora
o espasmo do seu espanto:
«Existem mares
e barcos nervosos
que empurram soluções
para aquilo que não tem obstáculos?
E ventos que desenraízam aquilo que estagna?
E aquilo que é compreensível onde bebe cores
a tarde alcoólica,
existe?» Não sabe.
Não o soube a sua vida.
Agora
ousa um movimento estranho:
lança o corpo um pouco em frente,
torna a encostá-lo para trás,
dá fortes remadas da memória,
vidro vidro as suas lágrimas.
Pouco a pouco
tarde, rosto e varanda
são minados pelo crepúsculo.
A sua forma enlouquece.
Fecham-se num espaço tumular
para não voltarem a entrar nos no olhar.
Anoitece
§
Manuel Resende (Porto, 1948), poeta e tradutor, publicou Natureza Morta com Desodorizante (Gota d'Água-INCM, 1983), Em Qualquer Lugar (&etc, 1997) e O Mundo Clamoroso, ainda (Angelus Novus, 2004). Traduziu poesia, dedicando especial atenção aos poetas gregos, nomeadamente, K. Kariotákis, N. Engonópoulos, Odisséas Elytis, G. Seféris, Kiki Dimoulá, etc. De entre as suas muitas outras traduções publicadas, destacam-se Coriolano e Otelo, de Shakespeare e A Caça ao Snark, de Lewis Carroll.
sexta-feira, agosto 27, 2010
Poesia & Lda, feito pelos seus leitores - CESARE PAVESE
«Boa tarde João,
falamos muito em Pavese e até acerca do seu retrato, feito por Natalia Ginzburg. Por acaso hoje é dia 27 de Agosto: há sessenta anos, 27 de Agosto de 1950, Cesare Pavese suicidava-se num quarto do Hotel Roma de Turim, deixando escrito numa cópia dos Diálogos com Leucó: «Perdono tutti e a tutti chiedo perdono. Non fate troppi pettegolezzi. Va bene?»
É tudo.
Não gosto de aniversários nem de celebrações de qualquer tipo. Mas sempre tive uma ligação com este poeta e a sua morte, e queria lembrá-lo.
Um abraço
Andrea»
sábado, agosto 14, 2010
TADEUSZ RÓŻEWICZ (2)

TADEUSZ RÓŻEWICZ nasceu em Radomsko, Polónia, em 1921. Escreveu prosa, teatro e poesia. Combateu a Alemanha nazi entre 1943 e 1944. No final da guerra, estudou na Faculdade de História de Arte, em Cracóvia. Segundo Fernando Presa González, seu tradutor do polaco para castelhano, Różewicz abriu caminho a “uma poesia quase desprovida de artifícios estéticos, carente de rima, de pontuação, muito pouco dada à metáfora e muito a favor de uma linguagem directa e da imagem real. (...) Marcado pela guerra, o cepticismo de Różewicz alcança uma cota tal que chega a afastar-se de valores muito enraizados na sociedade polaca como a religiosidade e o patriotismo. (...) A mentira abarca tudo, inclusive ele mesmo, que se sabe transformado, filho da guerra e do ódio, produto de um tempo sob o signo da ira e da morte.” Os nove poemas que se seguem foram por mim traduzidos do castelhano, a partir da antologia “Poesia abierta (1944-2003)", publicada em Barcelona pela editora La Poesia, señor hidalgo, com um excelente prefácio de Fernando Presa González.
NOMEIO COM O SILÊNCIO
Posso nomear o inominável com a palavra
posso nomear a pátria
o amor o oiro uma rosa
posso gritar ou calar
posso enunciar as cores
os mares as ilhas os pássaros os frutos.
Digo o nome de minha amada
à pátria chamo-a pelo seu nome
repito duas vezes uma palavra
chamo o inominável com o silencio.
§
O AUTOCARRO NEGRO
Este autocarro negro
é distinto dessa manada de autocarros vermelhos
que fervem como uma panela
no fogo
no seu interior um passageiro
paciente e longitudinal
com casaco de madeira
fechado até ao último prego
descerá na última paragem
Ninguém se mata
por subir a este autocarro
muito pelo contrário
Pintemos todos os autocarros
de negro com uma linha branca
Sua aparência melancólica
incitara as pessoas
a uma reciproca benevolência
quando subam
e quando desçam
1954
§
NÃO ME ATREVO
Assolado
pelo riso e pelas palavras
golpeado
pelos pequenos sentimentos e pelas coisas insignificantes
por meio amor
e meio ódio
aí onde há que gritar
falo com um sussurro
Conheceis esta voz
quebra-se na garganta seca
como uma cana
os velhos poemas caem de mim
todavia não me atrevo a sonhar com os novos
com a nova poesia
a qual
pode pressentir-se
num momento feliz
§
QUEIMA DE POEMAS
Conto-vos uma história
não muito curiosa
a queima de poemas
deve fazer-se em silêncio
é uma cerimónia
desprovida de gestos
patéticos
a queima de poemas deve fazer-se
no meio de uma decoração comum
uma mesa três cadeiras
um armário com livros
arde o papel
dança a chama
o fumo sobe para cima
Quando nasceram as palavras
gritou
agora cala
§
JOGOS
E que importa que amanhã
seja o fim do mundo
Numa povoação eslovaca
aos pés de uma grande nuvem
há um homenzito
com bigodes amarelos
que golpeia um tambor
Por um só ouvido
escuta-o um rapazito
que vai de bicicleta
pelo outro ouvido rosa
um vale entre montanhas azuis
uma rapariga vê-se
entre os espelhos
colocados entre o céu e a terra
um homem moderado e uma mulher
com seriedade e precisão
criam um novo homem
é um professor sábio
que agora se assemelha
a um pequeno cavalo
pese embora no embrião junto à cabeça
e às extremidades se possam descobrir:
os óculos o guarda-chuva o título
a cátedra e a visão do mundo.
Os que melhor se portam são os loucos
constroem casitas para os pássaros
educam os filhos
instalam viveiros
aprendem gramática
no entanto
as pessoas normais
brincam com bombas de hidrogénio.
1957
§
ESTIVE A ESCREVER
Estive a escrever
um momento ou uma hora
sentia ira
mudo
sentei-me junto a mim
os olhos embaciaram-se-me de lágrimas
estava a escrever há muito tempo
de repente dei-me conta
de que não tenho a pena na mão
§
DESDE HÁ ALGUM TEMPO
Desde há alguns anos
que o processo da morte da poesia
se acelera
adverti
que os novos poemas
publicados em semanários
começam a decompor-se
ao cabo de duas ou três horas
os poetas mortos
vão-se rapidamente
os vivos
cospem
à pressa
novos livros
como se quisessem fechar o ralo
com papel
§
ENTRE MUITAS OCUPAÇÕES
Entre muitas ocupações
muito urgentes
esqueci-me
de que também há que
morrer
frívolo
abandonei esta obrigação
ou ocupei-me dela
superficialmente
a partir de amanhã
tudo mudará
começarei a morrer com esmero
de maneira sensata com optimismo
sem perda de tempo
§
CONTO SOBRE AS MULHERES VELHAS
Gosto das mulheres velhas
as mulheres feias
as más mulheres
são o sal da terra
não sentem aversão
pelo lixo humano
conhecem a outra face
de uma medalha
do amor
e da fé
vêm e vão
os ditadores endoidecem
têm as mãos manchadas
com sangue de seres humanos
as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
compram carne fruta pão
limpam cozinham
permanecem na rua com os braços
cruzados calam
as mulheres velhas
são imortais
Hamlet agita-se na rede
Fausto faz um papel vil e ridículo
Raskólnikov golpeia com um machado
as mulheres velhas são
indestrutíveis
sorriem com indulgência
deus morre
as mulheres velhas levantam-se cada dia
pela madrugada compram pão vinho peixe
morre a civilização
as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
abrem as janelas
retiram a sujidade
morre um homem
as mulheres velhas
levam os restos
enterram os mortos
plantam flores
nas tumbas
gosto de mulheres velhas
de mulheres feias
de más mulheres
crêem na vida eterna
são o sal da terra
o córtex de uma árvore
são os olhos submissos dos animais
vêem na sua justa medida
a cobardia e o heroísmo
a grandeza e a insignificância
como as exigências
de um dia quotidiano
seus filhos descobrem a América
caem nas Termópilas
morrem nas cruzes
conquistam o cosmos
as mulheres velhas saem de madrugada
para a cidade compram leite pão
carne condimentam a sopa
abrem as janelas
só os idiotas se riem
das mulheres velhas
das mulheres feias
das más mulheres
porque são mulheres belas
mulheres boas
mulheres velhas
são um ovo
são um segredo
sem segredos
são uma bola que roda
as mulheres velhas
são múmias
dos gatos sagrados
são pequenos
murchos
secos
frutos mananciais
ou gordurosos
budas ovais
quando morrem
brota do olho
uma lágrima
que se une na boca
com o sorriso
de uma mulher jovem
1963
Outro poema de Tadeusz Różewicz no Poesia Ilimitada.
sexta-feira, agosto 13, 2010
EGITO GONÇALVES (2)

ALDEBARAN
Toda a tarde colhi amoras num poema de Ginsberg,
mastigando-as com alguns pensamentos desordenados
que em ti se detinham - como numa paragem de autocarro.
Depois fizemos café numa velha cafeteira
arruinada
que Allen encontrara ao limpar as ervas
em Berkeley. Enquanto bebíamos
expliquei-lhe as razões que tornavam o teu nome
impronunciável
e o escondiam numa estrela. Falei-lhe disso
e da tua indesmentível energia pélvica.
Sentiamo-nos ambos muito sós
a cortar em fatias sanduiches de realidade.
25.3.91
§
ENGARRAFAMENTO
O dia está triste,
Perséfona deve ter sido hoje forçada por Vulcano.
O inverno derrama-se na cidade
como se tívessemos de pagar
os problemas do Inferno. Os automóveis
engarrafam o trânsito
de Santa Catarina - a rua,
não a santa
que dos gemidos de Perséfona não entende -.
Sejamos pacientes. Saboreemos
este momento em que os motores em ralenti
aguardam o orgasmos dos deuses.
§
BUDAPESTE
Isabel da Hungria nunca atropelaria um gato, nem com o seu
delicado borzeguim, ao olhar o Danúbio do alto da cidadela.
Isabel fazia milagres e transmitiu os genes à sua neta para
fazer com que aparecessem rosas no avental que D. Dinis
comprara uma manhã na feira de Coimbra.
Isabel olhou as pontes do Danúbio, uma das quais tinha o seu
nome, exclamou extasiada Oh! Ah! e arrancou no Opel no momento
em que o gato atravessava, correndo, para apanhar a melhor
réstea solar na vetusta muralha. Senti o inesperado sobressalto
do pneu e pensei, amargurado: Turismo oblige!
Mas vi o felino sair do outro lado e percebi que o lugar se
mantinha marcado pelo espírito de Isabel da Hungria
- ou então
o gato saíra de um poema de György Somlyó.
9.10.86
INÊS LOURENÇO (3)
INÊS LOURENÇO (Porto, 1942) acaba de publicar o seu terceiro livro na &etc - uma excelente editora independente, diga-se de passagem - depois de dois óptimos livros: "Logros Consentidos" e "A disfunção lírica". É o oitavo título de uma poeta que tem vindo a assumir uma voz cada vez mais satírica e socialmente crítica, que não esconde uma genuína vontade de transgredir, revisitando a tradição mas preterindo sempre os cómodos sofás do mainstream. A arte poética, bem como uma clara consciência do pequeno papel que cabe à poesia neste início de século, são temas transversais a uma obra onde a mulher, a infância, a cidade, os outros, a língua portuguesa, as outras artes, mas também, o envelhecer e a doença, são assunto para versos que não prescindem de um delicioso tom sarcástico e mordaz. Como neste poema, retirado do seu último livro "Coisas Que Nunca" (Lisboa, &etc, 2010).
MAMOGRAFIA DE MÁRMORE
Deliciam-me as palavras
dos relatórios médicos, os nomes cheios
de saber oculto e míticos lugares
como a região sacro-lombar ou o tendão de Aquiles.
Numa mamografia de rastreio,
a incidência crânio-caudal seria
um bom título para uma tese teológica.
Alguns poetas falam disso. Pneumotórax
de Manuel Bandeira ou Electrocardiograma
de Nemésio, para não referir os vermelhos de hemoptise
de Pessanha ou as engomadeiras tísicas
de Cesário.
Mas nenhum(a) falou (ou fala)
de mamografia de rastreio. Versos dignos
só os de mamilo róseo desde o tempo
de Safo ou de Penélope. E, de Afrodite
enquanto deusa, só restaram óleos e
quinta-feira, agosto 05, 2010
BILLY COLLINS (2)

YOU, READER
I wonder how you are going to feel
when you find out
that I wrote this instead of you,
that it was I who got up early
to sit in the kitchen
and mention with a pen
the rain-soaked windows,
the ivy wallpaper,
and the goldfish circling in its bowl.
Go ahead and turn aside,
bite your lip and tear out the page,
but, listen – it was just a matter of time
before one of us happened
to notice the unlit candles
and the clock humming on the wall.
Plus, nothing happened that morning –
a song on the radio,
a car whistling along the road outside –
and I was only thinking
about the shakers of salt and pepper
that were standing side by side on a place mat.
I wondered if they had become friends
after all these years
or if they were still strangers to one another
like you and I
who manage to be known and unknown
to each other at the same time –
me at this table with a bowl of pears,
you learning in a doorway somewhere
near some blue hydrangeas, reading this.
§
TU, LEITOR
Pergunto-me como te vais sentir
quando descobrires
que fui eu que escrevi isto em vez de ti,
que fui eu que me levantei cedo
para me sentar na cozinha
e mencionar com uma caneta
as janelas ensopadas pela chuva,
o papel de parede com heras,
o peixe-dourado circulando no aquário.
Vá lá, dá a volta,
morde o lábio e arranca a página,
mas, escuta - era só uma questão de tempo
até que um de nós casualmente
reparasse nas velas apagadas
no relógio murmurando na parede.
Para além disso, nada ocorreu nessa manhã –
uma canção na rádio,
um carro assobiando na estrada lá fora –
e eu simplesmente pensando
no saleiro e no pimenteiro
colocados lado a lado num mantel individual.
Perguntei-me se se haviam feito amigos
depois de todos estes anos
ou se ainda eram estranhos um para o outro
como tu e eu
que conseguimos ser conhecidos e desconhecidos
um para o outro ao mesmo tempo –
eu a esta mesa com uma fruteira de pêras,
tu encostado algures na entrada de uma casa
junto a umas hortênsias azuis lendo isto.
§
THE STUDENT
My poetry instruction book,
which I bought at an outdoor stall along the river,
contains many rules
about what to avoid and what to follow.
More than two people in a poem
is a crowd, is one.
Mention what clothes you are wearing
as you compose, is another.
Avoid the word vortex,
the word velvety, and the word cicada.
When at a loss for an ending,
have some brown hens standing in the rain.
Never admit that you revise.
And – always keep your poem in one season.
I try to be mindful,
but in these last days of summer
whenever I look up from my page
and see a burn-mark of yellow leaves,
I think of the icy winds
that will soon be knifing through my jacket.
§
O ALUNO
O meu livro de instruções de poesia,
comprado num quiosque junto ao rio,
contém várias regras
sobre o que evitar e o que seguir.
Mais de duas pessoas num poema
é uma multidão, eis uma.
Mencionar que roupa usas
enquanto escreves, é outra.
Evitar a palavra vórtice,
a palavra aveludado, e a palavra cigarra.
À falta de um final,
coloca umas galinhas castanhas em plena chuva.
Nunca admitas que reves.
E – mantém sempre o teu poema numa só estação.
Tento estar atento,
mas nestes últimos dias de verão
sempre que elevo os olhos da página
e vejo uma mancha queimada de folhas amarelas,
penso nos ventos glaciais
que brevemente me atravessarão o casaco.
§
CONSTELLATIONS
Yes, that’s Orion over there,
the three studs of the belt
clearly lined up just off the horizon.
And if you turn around you can see
Gemini, very visible tonight,
the twins looking off into space as usual.
That cluster a little higher in the sky
is Cassiopeia sitting in her astral chair
if I’m not mistaken.
And directly overhead, isn’t that Virginia Wolf
slipping along the River Ouse
in her inflatable canoe?
See the wide-brimmed hat and there,
the outline of the paddle, raised and dripping stars?
§
CONSTELAÇÕES
Sim, aquela ali é Orion,
os três orificios do cinto
nitidamente enfileirados para lá do horizonte.
E se te virares podes ver
Gémeos, muito nítida esta noite,
os gémeos com o olhar perdido no espaço como sempre.
Aquele grupo um pouco mais acima no céu
é Cassiopeia sentada na sua cadeira astral
se não estou em erro.
E mesmo acima de nossas cabeças,
não parece Virgínia Wolf
deslizando ao longo do Rio Ouse
na sua canoa insuflável?
Vês o sombreiro de aba larga e além,
a silhueta do remo, levantado, gotejando estrelas?
§
THE INTRODUCTION
I don’t think this next poem
needs any introduction –
it’s best to let the work speak for itself.
Maybe I should just mention
that whenever I use the word five,
I’m referring to that group of Russian composers
who came to be known as “The Five”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – that crowd.
Oh – and Hypsicles was a Greek astronomer.
He did something with the circle.
That’s about it, but for the record,
“Grimké” is Angelina Emily Grimké, the abolitionist.
“Imroz” is that little island near the Dardanelles.
“Monad” – well, you know what a monad is.
There could be a little problem
with mastaba, which is one of those Egyptian
above-ground sepulchers, sort of brick and limestone.
And you’re all familiar with helminthology?
It’s the science of worms.
Oh, and you recall that Phoebe Mozee
is the real name of Annie Oakley.
Other than that, everything should be obvious.
Wagga Wagga is New South Wales.
Rhyolite is that soft volcanic rock.
What else? Yes, meranti is a type of timber, in tropical Asia I think,
and Rahway is just Rahway, New Jersey.
The rest of the poem should be clear.
I’ll just read it and let it speak for itself.
It’s about the time I went picking wild strawberries.
It’s called “Picking Wild Strawberries”.
§
A APRESENTAÇÃO
Penso que o próximo poema não
necessita de qualquer apresentação –
o melhor é mesmo deixar que a obra fale por si.
Talvez devesse apenas mencionar
que sempre que uso a palavra cinco,
me estou a referir àquele grupo de compositores russos
que veio a ser conhecido como “Os Cinco”,
Balakiev, Moussorgsky, Borodin – essa gente.
Ah - e Hípsicles foi um astronomo grego.
Fez algo com a circunfrência.
E é tudo, mas para que conste,
“Grimké” é Angelina Emily Grimké, a abolicionista.
“Imroz” é aquela pequena ilha perto de Dardanelos.
“Mónada” - bom, vocês sabem o que é uma mónada.
Poderá haver um pequeno problema
com mastaba, que é um desses sepulcros
egípcios sobre o solo, do género de tijolo e pedra de cal.
E estão familiarizados com helmintologia?
É a ciência das larvas.
Ah, e recordem que Phoebe Mozee
é o verdadeiro nome de Annie Oakley.
À parte disso, tudo deverá ser óbvio.
Wagga Wagga é a Nova Gales do Sul.
Riolite é aquela pedra vulcânica macia.
Que mais? Sim, meranti é um tipo de madeira, da Ásia tropical penso eu,
e Rahway é mesmo Rahway, Nova Jersey.
O resto do poema deverá ser claro.
Vou então lê-lo e deixarei que fale por si.
É sobre aquela vez que fui colher morangos silvestres.
Chama-se “Colhendo Morangos Silvestres”.
§
(Ouvir Billy Collins)
segunda-feira, agosto 02, 2010
NUNO ROCHA MORAIS

A dança lê o espaço
E só onde pousa o corpo
Não é o vazio.
Conheceis o deslumbre
De um mundo que só existe
A cada gesto.
§
Quando a meia-noite começa a beber as almas,
Quando os copos ganham fundo
O mundo parece mais próximo do fim,
Eis chegada a hora de Jean-Claude;
Nas últimas tarefas do bar antes do fecho.
Não importa o que digam:
Se é demência de velho, se é ridículo,
Se é patético, se é risível, se é confrangedor.
Que se comprazem nos aforismos sobre a solidão,
Como há tanta e como é triste. Que lhes preste.
Jean-Claude nada pede a Maria,
Ou apenas, tacitamente, que se deixe amar um pouco.
Maria nada oferece a Jean-Claude,
Um deixar-se amar fugindo, como de ninfa.
Este é um amor que merece muitos amigos.
Do que um sapato de cristal numa escadaria.
§
UM DITADOR FAZ A BARBA
Ao príncipio, é apenas um córrego
Em solo feroz, acicatado,
Mas também uma ternura no dorso da fera
Que, em aparência, se deixa possuir
A lâmina protagoniza uma estação -
Ao espelho, tabuleiro cósmico,
Persegue todos os vestígios
Da anterior.
Há uma vegetação em fuga
De cardos e cerdas, por entre espumas.
Os poros são agora um solo arável, macio,
E o rosto emerge como uma civilização.
Todas as manhãs, ao fazer a barba,
Há este prazer da tirania
Na matança dos inocentes,
Num massacre de camponeses.
§
Deveria ser dado que morrêssemos
Com um amor ainda vivo em nós,
Como deveria ser dado a um pássaro
Morrer naturalmente em pleno voo.
sábado, julho 24, 2010
JOHN UPDIKE
OSSOS DE ANJOS
Perto da catedral de Reims carregada de estátuas,
o palácio do bispo tornou-se um museu,
albergando muitas pedras gastas pelo uso,
pelos bombardeamentos, pelas renovações e pelo raro
e tonitroante Te Deum.
Santos e anjos enormes protegidos do tempo erguem-se
acima de nós. Os seus semblantes foram esculpidos para
mostrar uma alma - uma face da graça acima das guerras,
das pestes, do fedor das gentes em congregação -
aos crentes por eles diminuídos.
Agora, fragmentos e falhas provam que estes colossos
emprestados pelo Céu se tornaram posse do terreno mal,
que o calcário, macio ao cinzel, se quebra facilmente.
Olhai aqui! - um flanco cindido e fracturado revela
uma concha minúscula, única, intacta,
salva de desaparecidos mares pré-cristãos, escuros,
imensos. Às gentes piedosas, movendo-se em baixo,
elevando o olhar à imensidão sagrada, faltava-lhes
a ciência para deduzir, a partir desta pequena pista,
o que queria dizer a ausência poderosa.
in "Ponto Último e outros poemas", tradução de Ana Luísa Amaral, Civilização Editora, Porto, 2009
sexta-feira, julho 16, 2010
KNUT ØDEGÅRD

KNUT ØDEGÅRD é natural de Molde (1945), Noruega. A religião católica, do ponto de vista do crente, é o principal assunto da sua poesia. Publicou o primeiro livro de poemas em 1967, tendo desde então editado poesia, ficção e teatro, bem como outros livros cujo tema é a vizinha Islândia. Organizador do importante festival de poesia escandinava de Bjørnson, divide o seu tempo entre Molde e Reiquejavique, na Islândia (a naturalidade da sua mulher), onde foi embaixador. Ødegård é actualmente Cônsul Geral da Macedónia na Noruega. Brian McNeil traduziu para inglês, para a irlandesa Dedalus Press (2009), os seus Selected Poems, de onde verti para português este impagável poema. Brilhante.
PADRE
O Tio Knut era padre.
Era um homem prático, mas para ele
o Latim era Grego.
Morreu depois da reforma, estava
a escavar o local para a sua casa nova
quando o coração deu de si.
Mais um electricista
que um pregador, começava sempre a homilia
dizendo: "Não sou muito de discursos"
e quanto a isso estava certo.
Realmente não tinha muito a ensinar
aos paroquianos, eles tinham seus próprios problemas
com os nascimentos, o amor, com as mortes,
e ele não possuía palavras para tais coisas.
Mas aprendera como consertar
fios eléctricos e visitava as gentes em suas casas
e reparava curtos-circuitos e caixas
de fusíveis com defeito, atarraxava lâmpadas no sítio
e onde quer que ele tivesse estado, havia luz.
terça-feira, julho 13, 2010
HANS BØRLI

GOSTO DO MAU TEMPO
Gosto do mau tempo.
Chuva dura no outono.
Neve pesada pelo Natal.
Liberta e alivia
algo congelado e varrido pelo vento dentro de mim.
- deitado num celeiro de feno
quando a chuva bate no telhado de lata,
e a floresta vagueia na névoa cinzenta!
É como finalmente chorar
completa e livremente
depois de uma longa hibernação na terra nua da mente.
Ou deslizando de esquis sobre o paul
num dia de Janeiro,
quando os flocos de neve jorram
pelo espaço como faúlhas brancas.
E o mundo pia,
pia com brancos sussurros
no céu –
Então estás só pela primeira vez,
completa e gloriosamente só.
Sabes que até os teus rastos de esqui
são apagados
assim que vais.
Sim, eu gosto de mau tempo.
Mas a visão do vôo dos pássaros pelo outono
pesa-me na mente.
Estive frequentemente em solo elevado
quando os guindastes guinavam para sul
com o sol por baixo de suas asas cinzentas.
Então soube tristemente
que amo o mau tempo
porque é cinzento –
como o esquecimento.
(1949)
§
AS PALAVRAS
Temor das palavras –
eis algo que aprendi.
Versos que escrevi
versos que queimei.
Da dúvida no meu coração
sussurros crueis começam:
"Fraco, escreves
com uma arte emprestada.
A folha é adorável
quando é branca.
Poupa o espaço para a palavra
que não podes escrever".
(1949)
§
NÓS TEMOS AS FLORESTAS
Nunca fui dono de uma árvore.
Nenhum dos meus
alguma vez teve uma árvore –
embora o percurso da minha familia sopre
desde há séculos sob o cume
da floresta.
Floresta na tempestade,
floresta na acalmia –
floresta, floresta, floresta,
através dos anos.
Os meus
foram sempre uma gente pobre.
Sempre.
Filhos de vidas
e noites duras e geladas.
Os estranhos possuem as árvores,
e a terra,
a terra de pedras amontoadas
que meus pais removeram
à luz do luar.
Estranhos
com faces lisas
e mãos bonitas
e carro sempre aguardando
ao portão.
Nenhum dos meus
alguma vez teve uma árvore.
E ainda assim possuímos as florestas
pelo direito hereditário do nosso sangue.
Homem rico,
com teu carro e livro de cheques
e acções na companhia de madeiras de Borregaard:
podes comprar mil acres de floresta,
e mil acres mais,
mas não podes comprar o pôr-do-sol
ou o sussurro do vento
ou a alegria de regressar a casa
quando a urze floresce ao longo do caminho –
Não, nós temos as florestas,
do modo que uma criança tem sua mãe.
(1952)
§
DISTÂNCIA
Levanto-me e olho o céu
numa tarde de primavera sob o vôo das galinholas.
Estranho! A estrela maior
é uma coisa minúscula, pequenina
que a folha do vidoeiro pode cobrir.
– – –
Distância, é a distância
que torna o que é eterno suportável
Ainda bem que lança tão grande sombra,
a pequena coisa que está próxima…
(1958)
§
DEPOIS DE AUSCHWITZ
É difícil
olhar os próprios olhos
depois do que aconteceu
em Auschwitz.
Em Hiroshima.
Em Song My –
MAS NÃO VOLTES O ESPELHO.
Não penses
que aquele inferno teria sido possível
sem tu e eu.
(1972)
§
UMA COISA É NECESSÁRIA
Uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo díficil
de sem-abrigos e desterrados:
Fixares residência em ti.
Entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.
Para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.
(1974)
§
ENVELHECER
Envelhecer é um comércio triste,
incurável e solitário
como a alopécia.
E o pior é que
nunca consegues dividir
o cordão umbilical esticado
que te liga à juventude.
De repente podes dar contigo
saltando descalço na relva
e pulando em saltos loucos
sobre as alegres nascentes da juventude,
embora realmente estejas sentado numa pedra
apoiando o queixo numa bengala curva
sentindo a osteoartrite rasgar a
marcha dos pés, velhos e pesados.
(1991, publicação póstuma)
§
ESCREVENDO POESIA
De todo, não: não é difícil escrever poesia –
é impossível.
De contrário, pensas que teria persistido nisto
por mais de 40 anos?
Tenta, tenta só
pôr asas numa pedra, tenta
seguir o rasto de um pássaro
no ar.
(1991, publicação póstuma)
segunda-feira, abril 19, 2010
RUI ALMEIDA acerca de JOSÉ BLANC DE PORTUGAL

José Blanc de Portugal (Lisboa, 8 de Março de 1914 – 5 de Maio de 2000), foi Meteorologista, Poeta, Crítico Musical e Tradutor. Fundador e co-director dos Cadernos de Poesia em todas as suas séries. Poesia: Parva Naturalia, 1960 (Prémio «Fernando Pessoa» 1959); O Espaço Prometido, 1960; Odes Pedestres, precedidas de «Anti-Poética», 1965 (Prémio da Imprensa); Descompasso, 1987; Enéadas, 1989; Memorabilia (a acompanhar Onze Obras, de Vespeira), 1997; Quaresma Abreviada, 1997; Estrofes, 1999.

Os afogados do verão
Os que morrem no outono
Os que o inverno gelou
Quem não pôde aguentar mais primaveras
Mais os sinistrados de todo o ano
Ganharam bem do tempo a morte.
Tu que continuas a pisar
Cada dia esse caminho
Cada dia igual e sempre diferente
À cabeça a encardida malga
Da sopa dos pobres que é dada
Não já por caridade nem rotina
Mas como ritmo ordenado
Fado dos tempos das estações da vida,
Tens bem mais alta sorte heróica:
Pagas maior vida
Vives cada dia a morte
Sem que sequer te importe
Mais que a aresta viva
De cada pedra a evitar
No sabido caminho
Igual ontem, hoje e amanhã.
Assim constróis o lixo suburbano
Donde subirão um dia
O que hão-de ser «os bairros novos
Da progressiva cidade»
Nos discursos municipais.
Os mortos dos jornais
E tu que nunca lá irás parar
Abrem as covas –
Para vós elas se fazem. –
Quem serão os vivos?
§
Rui Almeida nasceu em Lisboa em 1972. Mantém, desde 2003, o blog Poesia distribuída na rua. Publicou em 2009 o seu primeiro livro de poemas Lábio Cortado, na editora Livro do Dia e tem colaborado com algumas revistas.
sexta-feira, abril 16, 2010
FRANCISCO DUARTE MANGAS acerca de CESARE PAVESE

Cesare Pavese (Santo Stefano Belbo, 9 de Setembro de 1908 — Turim, 27 de Agosto de 1950) foi um escritor e poeta italiano. Nasceu nas Langhe (província de Cuneo), tendo-se mudado ainda em criança para Turim, donde se ausentou sempre apenas durante pouco tempo: passou um ano na prisão em Barcaleone (Reggio Calabria), comprometido por amigos políticos; passou algum tempo em Roma em trabalho para o editor Einaudi, de quem foi um dos mais eficazes conselheiros editoriais; suicidou-se em Turim em 1950. A sua tese de licenciatura foi sobre Walt Whitman e já não era um desconhecido quando em 1936 publicou Lavorare stanca: tinha já publicado e continuaria a publicar estudos sobre literatura norte-americana clássica e contemporânea, reunidos num volume (La letteratura americana e altri saggi) publicado postumamente em 1951.

[Virá a Morte e Terá os Teus Olhos]
Tu não sabes as colinas
onde se derramou o sangue.
Todos nós fugimos
todos nós largámos
a arma e o nome. Uma mulher
olhava para nós quando fugíamos.
De nós só um
parou de punho cerrado,
olhou para o céu vazio,
inclinou a cabeça e morreu
contra o muro, em silêncio.
Agora é um trapo de sangue
e um nome. Uma mulher
espera-nos nas colinas.
Francisco Duarte Mangas vive em Árvore (Vila do Conde). Cuida de glicínias e exercita nos limoeiros, camélias, magnólias e outras árvores a antiga arte dos enxertadores. Algum tempo gasta também, nos rios de montanha, a iludir trutas Publicou os romances: Diário de Link (Teorema, 1993, 2ª ed. 2002; Akal, Madrid, 2002); Ladrão de Violetas (Teorema, 1995), A Fenda no Cavalo, (Teorema, 1996), Geografia do Medo (Teorema, 1997; Círculo de Leitores, 1998, Galaxia, 1998. Planeta Agostini, 2003), A Morte do Dali (Teorema, 2001); O Coração Transido dos Mouros (Teorema, 2002). Contos: O Medo não Podia Ter Tudo (com Augusto Baptista, Campo das Letras, 2000, NonSoloParole, 2006); O Homem do Saco de Cabedal, (Campo das Letras, 2000); e Os Passos por Dentro da Casa (Asa, 2002). No domínio da poesia é autor, entre outras obras, de Pequeno Livro da Terra (Teorema, 1996), Transumância, (Campo das Letras, 2002); Brévia, (Hidra editores, 2005). O Noitibó, a Gralha e outros Bichos (Caminho, 2009) é o seu mais recente livro para crianças.
quarta-feira, abril 14, 2010
MANUEL JORGE MARMELO acerca de CESÁRIO VERDE

Naquele "pic-nic" de burguesas,
Houve uma cousa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Manuel Jorge Marmelo nasceu no Porto em 1971 e é jornalista desde 1989. Estreou-se na ficção em 1996, com o livro "O Homem que Julgou Morrer de Amor", reeditado em 2006. Publicou depois "Portugués, Guapo y Matador" (romance, 1997), "Nome de Tango" (romance, 1998), "As Mulheres Deviam Vir Com Livro de Instruções" (romance, 1999; publicado em Espanha, em 2005, e em Itália, em 2008), "O Amor é para os Parvos" (romance, 2000), "Palácio de Cristal, Jardim-Paraíso" (álbum, 2000), "Sertão Dourado" (romance, 2001), "Paixões & Embirrações" (crónicas, 2002), "Oito Cidades e Uma Carta de Amor" (contos e fotos, 2003), "A Menina Gigante" (infantil, 2003, com Maria Miguel Marmelo e ilustração de Simona Traina), "Os Fantasmas de Pessoa" (romance, 2004), "O Silêncio de um Homem Só" (contos, 2004, Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco), "Os Olhos do Homem que Chorava no Rio" (novela, 2005, em parceria com Ana Paula Tavares), "O Peixe Baltazar" (infantil, 2005, com Jorge Afonso Marmelo e ilustração de Joana Quental), "O Porto: orgulho e ressentimento" (crónicas, 2006), "Porto Irrepetível" (guia, 2006), "Zé do Saco" (infantil, 2006, com ilustração de Evelina Oliveira), "Aonde o Vento me Levar" (romance, 2007), "O Profundo Silêncio das Manhãs de Domingo" (contos, 2007), "A Cabra Imigrante" (infantil, 2008, com ilustração de Miguel Macho) e "As Sereias do Mindelo" (Romance, 2008). Tem publicado regularmente textos e contos em diversas antologias e publicações, em Portugal, no Brasil, em Itália, no México e em França.
segunda-feira, abril 12, 2010
LUÍS FILIPE PARRADO acerca de ANDREW HUDGINS
ANDREW HUDGINS nasceu em Killeen, Texas, em Abril de 1951 e é autor de vários livros de poesia e ensaio ("Saints and Strangers", "Babylon in a Jar", "The Glass Anvil" são alguns deles). Tem poemas publicados em revistas como The New Yorker ou Paris Review e em diversas antologias de poesia americana. É professor na Universidade de Cincinnati, no Ohio.

My father cinched the rope,
a noose around my waist,
and lowered me into
the darkness. I could taste
my fear. It tasted first
of dark, then earth, then rot.
I swung and struck my head
and at that moment got
another then: then blood,
which spiked my mouth with iron.
Hand over hand, my father
dropped me from then to then:
then water. Then wet fur,
which I hugged to my chest.
I shouted. Daddy hauled
the wet rope. I gagged, and pressed
my neighbor's missing dog
against me. I held its death
and rose up to my father.
Then light. Then hands. Then breath.
NO POÇO
O meu pai cingiu a corda,
um nó em torno da minha cintura,
e baixou-me para o interior
das trevas. Pude provar o sabor
do meu medo. Primeiro do escuro,
depois da terra, depois da podridão.
Oscilei e bati com a cabeça
e nesse instante cheguei
a outro medo: o do sangue,
que me fez cerrar ferreamente a boca.
À força de mãos, o meu pai
fez-me passar por tudo isto:
depois a água. Depois o pêlo encharcado,
que abracei contra o peito.
Gritei. E o meu pai puxou a corda
molhada. Desequilibrei-me, apertei
o cão desaparecido do meu vizinho
contra mim. Segurei a sua morte
e ascendi até ao meu pai.
Depois luz. Depois mãos. Depois a respiração.
LUÍS FILIPE PARRADO nasceu no Seixal, em 1968, onde vive. É professor de Português no ensino secundário. Passa poemas para português no meu blogue favorito: Do trapézio, sem rede. É uma das mais consistentes revelações poéticas dos últimos anos.
domingo, abril 11, 2010
JOSÉ CARLOS BARROS acerca de ANTÓNIO CABRAL (e JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE e HELDER MOURA PEREIRA)

POEMAS
Aspectos perdidos
pequenas sombras em redor de poderosa imagem.
Aquilo que
distingue a palavra ave da palavra pássaro.
Pensando bem há tantos poemas que podia escolher. No Funchal andei na tropa ostensivamente a atravessar a parada com um livro no bolso da farda número dois que levava na capa o (imagine-se) título de «Sedução pelo Inimigo». Dos versos de Helder Moura Pereira aí sublinhados ainda estes os diria hoje de cor:
Não sei que mais retive da carta
de um amigo, talvez a frase riscada
no máximo da alegria dizendo a morte
mesmo que chegue breve está tão longe
de mim. (…)
Talvez António Cabral não devesse escrever versos que o nosso tempo não merece ("O castanheiro assiste velho / patriarca atento à ânfora / do teu pudor ao vinho novo") para que assim me fosse dado sem pudor deixar aqui de um dos seus livros um poema inteiro. Poderia ser um poema breve. Um poema como este não procurando muito:

Numa coisa os nossos governos têm sido escrupulosamente
cristãos: mantêm a agricultura pobre para cumprir a profecia de
Cristo que diz: pobres sempre os tereis convosco.
§
«Os dois grandes poetas do Douro – do Douro vinhateiro, entenda-se – são pois Miguel Torga e António Cabral. Um natural de S. Martinho de Anta (Sabrosa), outro de Castedo do Douro (Alijó), povoações circunvizinhas ambas da grande saga do vinho, têm à partida, um e outro poeta, este mérito não pequeno de cantarem o seu, quero dizer, pôr primeiramente a voz na realidade que os viu nascer e desde cedo lhes impressionou, pela sua magnitude, a sensibilidade.» (...) «Obviamente, nenhum deles se esgota no Douro" (...) "São ambos duas vozes poderosas, Torga e Cabral, duas vozes bem timbradas e cheias, substanciosas, empenhadas ambas no canto duriense, mas os olhos com que vêem o Douro são diferentes, e por isso diferente a voz com que o cantam.»
A. M. Pires Cabral, in Cesto da Gávea, Repórter do Marão, Amarante, 24-09-1993
§
José Carlos Barros nasceu em Boticas em 1963. É licenciado em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Évora. Vive no Algarve, em Vila Nova de Cacela. A sua actividade profissional tem sido desenvolvida essencialmente nos domínios do ambiente e do ordenamento do território. Actualmente exerce funções públicas. É autor de, entre outros, os seguintes livros de poesia: “Pequenas Depressões” (em colaboração com Otília Monteiro Fernandes – 1984); “Uma Abstracção Inútil” (1991); “Todos os Náufragos” (1994); “Teoria do Esquecimento” (1995); “As Leis do Povoamento” (1996); “Las Moradas Inútiles” (edição bilingue, Punta Umbría, 2007; edição em castelhano, La Habana, Cuba, 2009). Está representado em diversas antologias e publicações colectivas. Venceu vários prémios literários, sendo-lhe atribuído em 2009 o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama pelo livro (ainda inédito) “Os Sete Epígonos de Tebas”. Publicou, em prosa, “O Dia em que o Mar Desapareceu” (2003) e, em edição da Oficina do Livro, o romance “O Prazer e o Tédio” (2009). É autor do blogue Casa de Cacela.